sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

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Mídia e enchentes

A sucessão de enchentes, em São Paulo e na serra fluminense, somada a interesses político-corporativos, tem levado a distorções graves na cobertura das tragédias.

As forças conservadoras, com o auxílio voluntarioso da mídia, têm utilizado o excesso de chuvas como pretexto para relativizar a responsabilidade dos governantes demotucanos pelas enchentes em São Paulo, com o argumento falacioso - e algo cínico - de que a tragédia no Rio comprovaria que “a culpa é da chuva”. O maior exemplo (sic) disso é o Jornal Nacional


Avisos não faltaram
Chove demais, não há dúvidas. Mas é realmente uma surpresa que isso ocorra? Creio que não, pois, a despeito do ceticismo de alguns, os três principais efeitos apontados pelos que alertam para o aquecimento global – verões cada vez mais chuvosos nos trópicos, invernos cada vez mais rigorosos no hemisfério norte e aceleração do degelo dos pólos – vêm se confirmando ano após ano.

E, com o perdão da redundância, uma das funções primordiais de um governante é precisamente inteirar-se dos possíveis problemas a curto e médio prazos e assegurar-se da adoção de medidas para evitá-los – seja em São Paulo, no Rio ou na Austrália. Portanto, a adoção de medidas para evitar as conseqüências de chuvas que – como sabíamos de antemão – tendiam a ser cada vez mais volumosas deveria ser, há muito, item obrigatório na pauta de autoridades a cargo de áreas mais suscetíveis aos efeitos de intempéries.

Assim, ao contrário do que a mídia sugere, o fato de chover muito e de autoridades fluminenses não terem feito a lição de casa de forma alguma isenta seus pares paulistas. Mesmo porque as causas das enchentes em São Paulo – e da omissão governamental que agravou seus efeitos – claramente diferem, em vários aspectos, das do estado vizinho. Aqui, só no último ano, a prefeitura deixou de investir R$370 milhões do orçamento originalmente destinado a obras contra enchentes, enquanto o estado, além de negligenciar cerca de R$135 milhões em investimentos, negligenciou o desassoreamento do Rio Tietê, o qual deveria ocorrer ao menos quatro vezes ao ano e é tido por especialistas como medida imprescindível para evitar enchentes.


Topologia peculiar
Já no caso fluminense há dois dados concretos que fazem com que, efetivamente, a responsabilidade pela tragédia serrana deva ser atribuída a um número consideravelmente maior de entes: o primeiro é que, ao contrário do que ocorre em São Paulo, não houve, nas últimas duas décadas, excessiva concentração do poder nas mãos de determinadas forças políticas: das prefeituras dos municípios atingidos ao governo do estado, diversas autoridades e partidos – incluindo os “de esquerda” - revezaram-se no poder.

A segunda é a própria topografia da serra fluminense, vis-à-vis ocupação irregular do solo, resultando em uma configuração urbana extremamente suscetível à ação das águas.


Arredondar pra baixo
A mídia brasileira, no entanto, prefere fingir não notar tais nuances, adotando uma tripla estratégia: o primeiro item da pauta é, como já apontado, salvaguardar as forças políticas amigas.

O segundo é, como tem feito obsessivamente, procurar desgastar o ex-presidente Lula, atribuindo-lhe culpas que a princípio não têm, já que se trata de questões a priori de âmbito municipal e estadual. Citava negativamente o ex-mandatário a cada cinco minutos, mas omitindo o fato que a reação de seu governo às enchentes de então foi muito mais rápida e efetiva em termos materiais do que a de FHC, que preferiu voar para o exterior e dar ouvidos moucos aos pedidos de ajuda.

Além disso, enquanto o jornal argentino Página 12 reconhecia a celeridade com que Dilma Rousseff reagiu, liberando R$780 milhões e sobrevoando hoje a região, a Globo News cometia a indecência jornalística de arredondar pra baixo a quantia, falando em R$700 milhões. O ponto em que chegamos...

O terceiro item na pauta da mídia é dotar o noticiário de um tom narrativo extremamente emocional, uma exploração sadomasoquista do sofrimento alheio que toma o lugar que deveria ser da reportagem investigativa abrangente, com contextualização histórica e política, apuração condizente de responsabilidades e retratos pungentes mas respeitosos da tragédia e da dor humana.

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